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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Bandido Bom



    Hoje em dia, com a ajuda da mídia, que só faz reforçar este tipo de pensamento, as pessoas alimentam um ódio imenso contra o criminoso. Limitamo-nos a xingar essa corja de assassinos atrás de nossas televisões e computadores, esquecemos o meio em que eles vivem e como são tratados pela própria sociedade, e repetimos a célebre e imbecil frase “bandido bom é bandido morto”, sem nos darmos conta de quão equivocada é a ideia contida nessa oração.

    É só pensarmos com um pouco de calma: por que no Brasil, em regra, não é admitida a pena de morte? Alguns responderiam que é porque é um país atrasado, retrógrado. Novamente, discordo e explico: não é a pena de morte que vai reduzir a criminalidade. No Canadá, por exemplo, tal medida foi abolida há alguns bons anos, e isso não fez com que o país se tornasse “retrógrado”. Em alguns estados dos EUA, que admitem a pena de morte, por exemplo, o índice de criminalidade nunca teve queda considerável por conta disso. Aliás, o índice de criminalidade em estados que admitem este tipo de pena, quando comparados com os que não admitem, é praticamente igual. Por que no Brasil seria diferente?

    Nós todos sabemos que a pena de morte aqui em terras tupiniquins existe sim. E não estou falando no caso previsto pela Constituição (em casos de guerra declarada), mas sim aquelas que são realizadas pelos policiais, informalmente, e ninguém fica sabendo. E se estoura algo assim, não damos importância, a menos que o “condenado” seja bandido. Aí damos aval.

    O caso do Amarildo foi exceção, pois a sociedade estava em um momento contra o Estado.
    O meliante que entra para o crime, em regra, não teme a morte. Ele sabe que em um confronto com um policial, sua vida estará em risco. Aliás, ele sabe que sua vida está em constante risco — seja por um fardado, por um civil armado, ou por um criminoso de facção rival. Geralmente cometem infrações penais porque não tem nada a perder. Neste caso, vem a pergunta: qual a eficácia da pena de morte para a redução da criminalidade?

   Há quem defenda que o Estado precisa se livrar dos “dejetos sociais” (eu prefiro o termo “cidadão incompatível”) para não ter que gastar com eles. Para estes, lembro que estamos no Brasil. Tenham isso em mente para responderem à pergunta: o que seria feito com o dinheiro que sustenta os reclusos que “poderiam” estar mortos? Escolas seriam construídas? Hospitais? Alguma obra para melhorar o trânsito das grandes metrópoles? Não sejamos hipócritas, esse dinheiro iria direto para o bolso daqueles que estão no topo da “cadeia alimentar”: nossos representantes. Além de não diminuir a criminalidade, a pena de morte não teria qualquer impacto nos cofres públicos.
   O problema é que todos nós sabemos disso tudo. No fundo, sabemos que a pena de morte não adiantaria absolutamente em nada. Mas mesmo assim insistimos em clamá-la, idolatrando-a como um messias que veio à Terra para limpá-la e transformá-la em um lugar melhor. Pensar que o criminoso morreu nos alivia, e isso não está ligado à queda da criminalidade, muito menos com cessão dos gastos com este indivíduo. Essa leveza que nos dá quando pensamos que o criminoso foi punido com a morte nada mais é que nosso ódio sendo alimentado, saciado. Já parou para pensar que isso está errado?

    Não estou adotando nenhum discurso geralmente dito pelos ativistas dos Direitos Humanos. Não é preciso ser muito inteligente para parar e pensar. Basta apenas ter vontade para se destacar da massa movida pela vontade da mídia, que por sua vez move-se por interesses quase exclusivamente políticos. É muito mais barato e infinitamente mais fácil para o Estado contar com a concordância do povo quanto ao extermínio de criminosos (mesmo informalmente) ou ao cárcere destes. Até aí, não teríamos problema algum se a justiça fosse feita levando em conta fatores sociais e psicológicos, comparando-os com o fato criminoso praticado pelo meliante para cálculo da pena, como manda a cartilha da Criminologia. Acontece que isso é impossível. E se já temos gente inocente em nossos presídios, imagine se houvesse pena de morte? Seria uma chacina de gente inocente, friso, com a aprovação da sociedade sedenta por sangue errante.

    E o que te torna melhor que o homicida que você deseja a morte?

   A solução, que para o Estado é bem mais cara e infinitamente mais difícil, é simples: educação. Teoricamente, ela existe até em nosso sistema carcerário (perceba-se que o preso, aqui, tem o nome técnico de “reeducando”). Mas na prática, todos sabem que a educação pós-crime não existe. Sequer a pré-crime. E não estou falando só dos autores do fato típico, estou falando da sociedade de um modo geral. A falta de informação é bilateral, e esse é o motivo da guerra que travamos diariamente contra a violência desacerbada.
   Para ter noção de como a coisa está feia, cito para vocês aquela história do Auxílio-Reclusão. Andam circulando pela internet uma anti-informação viralizada de que o preso recebe por volta de R$ 900,00 (novecentos reais) por filho, enquanto estiver preso, e que por isso sai mais em conta ser criminoso que um trabalhador de bem que recebe R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais) de salário mínimo. Em primeiríssimo lugar, desde quando se pode dizer que é melhor estar preso que estar trabalhando? Quem escreveu tamanha atrocidade decerto jamais visitou um presídio. Em segundo lugar, o Auxílio-Reclusão é pago à família do preso, e não para ele. E não é por filho que ele é calculado. Para finalizar, temos a característica básica para a concessão do benefício: tempo mínimo de contribuição para o INSS. E, levando em consideração que a maior parte dos carcerários é formada por traficantes, isso sem contar com a vasta quantidade de emprego informal que é exercido pelos cidadãos mais marginalizados, qual o percentual de reeducandos que vocês imaginam que são contemplados com o auxílio? A resposta é doze por cento, em média.
    Se o lado do “cidadão de bem” tivesse educação, essa falsa informação não existiria. E se existisse, as pessoas teriam a curiosidade de pesquisar sua veracidade antes de passá-la adiante. Porém, o que ocorre é exatamente o inverso, e, com aquela raiva crescente dentro de nós, acreditamos em qualquer informação que alimenta esse ódio, mesmo que a informação seja falsa.
   Se fôssemos educados da forma adequada, o pensamento seria diferente. De repente, o Auxílio-Reclusão seria razoável: se o sujeito que trabalhava para sustentar a família comete crime e é preso, como a família dele será sustentada? E, partindo da premissa sem hipocrisia de que qualquer ser humano está suscetível ao crime (inclusive você, cidadão de bem), nada mais justo que o Estado dar uma força à família do preso enquanto ele se encontra recluso. Afinal, o preso poderia sim ser você.

    Por outro lado, temos o ódio inverso, daquele que vem dos cidadãos marginalizados. Imaginemos que um homem cometa o crime de roubo, e a polícia invade a casa do sujeito e efetua a prisão dele, na frente do filho pequeno, apegado ao pai. Porque não é só porque é bandido que é um mau pai. E o infante observa a população inteira apontar e esculachar com o criminoso, dizendo que ele merece morrer, amaldiçoando a raça do bandido. Bandido bom é bandido morto. E, precocemente, o menor sente ódio por quem odeia sua raça. E, assim como nós nos sentimos mais aliviados com a morte dos bandidos (quem nós odiamos), o menor se sentirá mais aliviado com a morte do “cidadão de bem” (quem ele odeia). Percebem a cadeia aqui formada?
   Se o marginalizado tivesse boa educação do Estado, a parte que se submete ao crime por não fazer noção da profundidade que o ato criminoso atinge simplesmente não existiria. A consciência apurada de certo e errado e do respeito ao direito alheio seria essencial para manter valores que segurariam o sujeito, impedindo-o de cometer o crime. E, se no exemplo acima o infante tivesse a educação que o pai não teve, não deixaria o ódio se tornar algo recíproco, ele simplesmente caminharia para mostrar ao mundo que ele seria diferente.

   Educação ao de classe elevada, para que respeite o pobre e dê a ele a oportunidade que precisa para conseguir ascensão. Educação ao pobre, para que não desista quando o mundo dificultar o caminho, para estudar e se informar, para dar valor aos valores que realmente valem a pena. 
   Educação ao branco, para que dê espaço ao preto. Educação ao preto, para que respeite o branco. Educação ao rico, para que não demonstre ao pobre que ele é melhor porque pode ostentar.  Educação ao pobre, para que não se sinta inferiorizado por não ter condições de obter determinados bens para ostentar.
   Educação a TODOS, para que possam enxergar que o crime existe em TODAS as classes sociais, mas que só há punição efetiva mesmo apenas contra os menos favorecidos. Porque o político desvia dinheiro público para enriquecimento ilícito é tão "bandido" quanto o ladrão que te assalta pra roubar seu celular. A diferença é que o pensamento com o político é "essa raça é assim mesmo, não muda", enquanto com o "bandido" é "essa raça tem que morrer para aprender a roubar no inferno".
   Um milhão de pontos seriam resolvidos com educação. Educação bilateral. Se esquecermos o ódio e focarmos na educação, o Estado perderá a força e inócuo será o interesse político existente por trás da fomentação da raiva entre as classes sociais, que hoje se digladiam e clamam pela extinção uma da outra.
    Devemos tomar um certo cuidado com nosso pensamento. Às vezes, nem nosso ele na verdade é, mas emprestado por uma massa de manobra. O ódio está impregnado. E as pessoas não estão nem um pouco afim de pensarem diferente. Porque odiar o criminoso traz uma sensação muito melhor do que tentar repará-lo. Ouso em pensar que tenha a ver com o ego, porque é uma delícia desqualificar o outro para se sentir melhor.

    "Bandido bom é bandido morto". Afinal, a você que assim pensa, o que te torna melhor? Tirar a vida por revanchismo ou vingança seria mesmo menos condenável que por qualquer outro motivo? Um mata por vinte ou duzentos reais. O outro mata por indignação. No fundo, os dois procuraram apenas uma satisfação a um sentimento pessoal: o ego.

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