Marcos é gay. Contrariando sua educação de primeira linhagem, seu pai que não perdia a oportunidade de ver alguns peitos e bundas balançarem nos domingos de tevê aberta, seus tios que elogiavam seu pênis quando ele tinha meses de vida, as tias que prometiam as primas ou filhas de alguém ao garanhão da família, as inúmeras meninas que ele beijou na adolescência e que se entregavam ao excesso de testosterona que ele exalava… Contrariando até o time do coração — afinal, futebol diz muito sobre sua orientação sexual —, o garoto, aos 22 anos de idade, assumiu a homossexualidade.
Marcos
é meu vizinho. O vi nascer. Cresceu na casa de portão vermelho logo à
frente da minha. Como um bom primogênito — ouvi dizer até que por um
tempão fora o único homem da família, até o nascimento de seu primo
Jaime —, foi recepcionado ao mundo com presentes variados: roupas azuis,
bolas azuis, carrinhos azuis, fraldas azuis, carrinho de bebê azul e
até um berço azul ganhou da sua madrinha. Azul para certificar que se
tratava de um menino.
No
aniversário de dois anos, ganhou uma camiseta do Corinthians de seu
pai, que vivia dizendo “homem que é homem tem que ser corintiano”. Nas
festinhas de aniversário, a pergunta recorrente de seus tios era
“quantas namoradas você já tem?”. As tias não ficavam para trás: não
podia ninguém ficar grávida de uma menina que já prometiam o feto
feminino ao varão da família. Tinham também as meninas já nascidas. Mas
Marcos é garanhão, daria conta de todas.
Aos
cinco anos de idade, o irmão do pai dele, futuro pai de Jaime,
“esqueceu” uma revista Playboy no quarto do garoto. E depois de muito
tempo, perguntou a ele se já tinha aprendido a se masturbar. Se, aos
onze anos, já esporrava.
Flagrei
Marcos, aos treze, andando com os amigos na rua, gritando como bando de
araras para mulheres que cruzavam o caminho deles. Como se estivesse
dando um discurso decorado na frente do espelho, Marcos gritava
barbaridades que seus coleguinhas gritavam para as mulheres de saia ou
decote nas ruas.
Aos
catorze, o adolescente teve que mudar de escola depois de um comentário
infeliz que fizera sobre um ator de cinema. Havia dito que o cara era
bonito, e isso forçou seus pais a mudarem o rapaz de colégio, tamanho
foi o bullying sofrido.
A mãe vivia cobrando o garoto, dizia que ele devia encontrar uma mulher que soubesse lavar, passar e cozinhar para se casar.
Quando
fez quinze anos de idade, o pai lhe presenteou com uma puta. Levou a
mulher para sua própria casa e, mesmo com a reprovação da mãe, trancou a
prostituta com o garoto no quarto. Depois de uma hora, gritava
orgulhoso que o menino agora era homem.
Desde
então, Marcos acreditou que havia nascido para pegar mulher. Foi
doutrinado pelo pai e pelos tios que devia exercer sua masculinidade
“varando” as meninas e torcendo pro Corinthians. Faria isso até “furar”
uma menina inquestionavelmente santa, que saberia lavar, passar e
cozinhar. Aí, casava com ela. Afinal, sua mãe tanto prezou por isso, não
podia decepcioná-la ao casar-se, ou melhor, “virar pau mandado” de uma
mulher que não soubesse cuidar da casa e correr o risco de dividir as
tarefas domésticas com ela. Uma mulher que não tem tempo de cuidar da
casa tem mais tempo de se dedicar à profissão. E ganhar mais que o
marido é inadmissível.
Com
tanta pressão em cima de seus ombros, cobranças de tios, tias, amigos e
pais, Marcos exigia demais de si mesmo, principalmente quando percebeu
que exprimir sua masculinidade não tinha tanta graça como pompava seus
parentes.
Não
sei como aconteceu, mas em uma tarde de sábado ouvi gritos e ameaças
vindas da casa da frente. Como um bom vizinho, fiquei preocupado no que
poderia ser. Até que vi o filho varão sair de casa com uma mala pequena,
de mãos dadas com outro rapaz. Depois me veio a notícia de que se
assumiu gay e fora liminarmente rejeitado por aqueles que lhe deram
educação, saúde, seio, abrigo e religião. Justo Marcos, que é tão
inteligente?
Bom,
ele agora terá um longo caminho pela frente. Vida nova. Carregará o
fardo de decepção familiar para o resto da vida. Talvez não tenha sido
sua culpa: há quem diga que isso é doença. Há aqueles também que dizem
que ele foi expulso por que quis: quem mandou dar a bundinha?
Mas ainda há esperanças para a família: ouvi dizer que Jaime perdeu a virgindade com 13 anos de idade.
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