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sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Marcos é gay



      Marcos é gay. Contrariando sua educação de primeira linhagem, seu pai que não perdia a oportunidade de ver alguns peitos e bundas balançarem nos domingos de tevê aberta, seus tios que elogiavam seu pênis quando ele tinha meses de vida, as tias que prometiam as primas ou filhas de alguém ao garanhão da família, as inúmeras meninas que ele beijou na adolescência e que se entregavam ao excesso de testosterona que ele exalava… Contrariando até o time do coração — afinal, futebol diz muito sobre sua orientação sexual —, o garoto, aos 22 anos de idade, assumiu a homossexualidade.

      Marcos é meu vizinho. O vi nascer. Cresceu na casa de portão vermelho logo à frente da minha. Como um bom primogênito — ouvi dizer até que por um tempão fora o único homem da família, até o nascimento de seu primo Jaime —, foi recepcionado ao mundo com presentes variados: roupas azuis, bolas azuis, carrinhos azuis, fraldas azuis, carrinho de bebê azul e até um berço azul ganhou da sua madrinha. Azul para certificar que se tratava de um menino.

      No aniversário de dois anos, ganhou uma camiseta do Corinthians de seu pai, que vivia dizendo “homem que é homem tem que ser corintiano”. Nas festinhas de aniversário, a pergunta recorrente de seus tios era “quantas namoradas você já tem?”. As tias não ficavam para trás: não podia ninguém ficar grávida de uma menina que já prometiam o feto feminino ao varão da família. Tinham também as meninas já nascidas. Mas Marcos é garanhão, daria conta de todas.

      Aos cinco anos de idade, o irmão do pai dele, futuro pai de Jaime, “esqueceu” uma revista Playboy no quarto do garoto. E depois de muito tempo, perguntou a ele se já tinha aprendido a se masturbar. Se, aos onze anos, já esporrava.

      Flagrei Marcos, aos treze, andando com os amigos na rua, gritando como bando de araras para mulheres que cruzavam o caminho deles. Como se estivesse dando um discurso decorado na frente do espelho, Marcos gritava barbaridades que seus coleguinhas gritavam para as mulheres de saia ou decote nas ruas.

      Aos catorze, o adolescente teve que mudar de escola depois de um comentário infeliz que fizera sobre um ator de cinema. Havia dito que o cara era bonito, e isso forçou seus pais a mudarem o rapaz de colégio, tamanho foi o bullying sofrido.

      A mãe vivia cobrando o garoto, dizia que ele devia encontrar uma mulher que soubesse lavar, passar e cozinhar para se casar.

      Quando fez quinze anos de idade, o pai lhe presenteou com uma puta. Levou a mulher para sua própria casa e, mesmo com a reprovação da mãe, trancou a prostituta com o garoto no quarto. Depois de uma hora, gritava orgulhoso que o menino agora era homem.

      Desde então, Marcos acreditou que havia nascido para pegar mulher. Foi doutrinado pelo pai e pelos tios que devia exercer sua masculinidade “varando” as meninas e torcendo pro Corinthians. Faria isso até “furar” uma menina inquestionavelmente santa, que saberia lavar, passar e cozinhar. Aí, casava com ela. Afinal, sua mãe tanto prezou por isso, não podia decepcioná-la ao casar-se, ou melhor, “virar pau mandado” de uma mulher que não soubesse cuidar da casa e correr o risco de dividir as tarefas domésticas com ela. Uma mulher que não tem tempo de cuidar da casa tem mais tempo de se dedicar à profissão. E ganhar mais que o marido é inadmissível.

      Com tanta pressão em cima de seus ombros, cobranças de tios, tias, amigos e pais, Marcos exigia demais de si mesmo, principalmente quando percebeu que exprimir sua masculinidade não tinha tanta graça como pompava seus parentes.

      Não sei como aconteceu, mas em uma tarde de sábado ouvi gritos e ameaças vindas da casa da frente. Como um bom vizinho, fiquei preocupado no que poderia ser. Até que vi o filho varão sair de casa com uma mala pequena, de mãos dadas com outro rapaz. Depois me veio a notícia de que se assumiu gay e fora liminarmente rejeitado por aqueles que lhe deram educação, saúde, seio, abrigo e religião. Justo Marcos, que é tão inteligente?

      Bom, ele agora terá um longo caminho pela frente. Vida nova. Carregará o fardo de decepção familiar para o resto da vida. Talvez não tenha sido sua culpa: há quem diga que isso é doença. Há aqueles também que dizem que ele foi expulso por que quis: quem mandou dar a bundinha?

      Mas ainda há esperanças para a família: ouvi dizer que Jaime perdeu a virgindade com 13 anos de idade.

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