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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Não ouço suas panelas!




Eu era assinante de uma determinada revista, e quando me mudei para o bairro do Cambuci, região central da Capital de São Paulo, transferi essa assinatura para o meu novo endereço. 

Na primeira semana, recebi a revista normalmente. Na segunda semana, também. Na terceira, falhou. Na quarta, também. Liguei para a editora reclamando, dizendo que não estavam entregando a revista em minha residência. Eles verificaram no sistema e disseram que estavam entregando sim, mas que possivelmente estaria sendo extraviada por outrem. Então, eles sugeriram que o entregador tocasse a campainha toda vez que fosse realizar a entrega. 

No início, deu certo. O problema é que algumas vezes eu não estava em casa para receber. E não tardou para que a revista começasse a falhar. 

Mas antes que eu pudesse reclamar com a editora, em um sábado, quando cheguei em casa, me deparei com o saco onde a revista vinha embalada vazio, e com a etiqueta com meu nome, amassada, tudo num cantinho.

Não havia dúvidas. Algum vizinho estava descaradamente furtando minhas revistas.

Depois de algum tempo, descobri quem era ao ver que a revista furtada estava em cima de um móvel, perto de uma janela do apartamento dele. 

Curiosamente, este vizinho bate panela todas as vezes que a Presidente da República faz algum pronunciamento na televisão.


Anteontem, houve mais um episódio deste. Mas, ao meu ver, está ficando cada vez mais feio para essas pessoas que se afobam em pegar os utensílios de cozinha e correrem para as janelas protestar pela indignação com o governo federal. 

Digo mais feio porque, cada dia que passa, fica mais evidente que essa indignação é seletiva, classista e, acima de tudo, leviana. 

No último domingo, a Samarco, aquela empresa que pertence à Vale e à estrangeira BHP, responsável por uma das maiores tragédias ambientais que devastou a cidade de Mariana, em Minas Gerais, destruiu o Rio Doce e poluiu o Oceano Atlântico, causando prejuízo de bilhões não só ao meio ambiente, mas principalmente às famílias e trabalhadores afetados, teve uma propaganda veiculada em horário nobre, na maior rede de televisão do país, no intervalo de um dos programas jornalísticos mais assistidos: o Fantástico. E, para esta propaganda, milhões de reais foram gastos.

Nenhuma panela bateu.

Nas últimas semanas, aqui em São Paulo, veio à tona um esquema de corrupção envolvendo desvio de verba destinada à merenda escolar para colégios estaduais, cuja participação contou com vários agentes ligados diretamente ao Governo do Estado, incluindo o jurista Fernando Capez, flagrado por diversas vezes em manifestações pró-impeachment, pedindo o fim da corrupção. Soma-se a isso o fechamento das escolas e os professores reprimidos pela Polícia Militar quando pedem melhores condições de trabalho.

Nenhuma panela bateu.

Ontem, o Senado aprovou o projeto que modificou a regra de exploração do pré-sal, que visa retirar a exclusividade de exploração da Petrobrás, incentivando exploração do capital estrangeiro. O projeto é de ninguém menos que José Serra, sabidamente neoliberal, política esta que continua latente.

Nenhuma panela bateu.

Poderia eu ficar citando um milhão de fatos que não tem qualquer ligação com o Governo Federal, mas que as pessoas ou não levam a sério, ou minimizam suas gravidades, ou, ainda, são complacentes com ela (principalmente quanto à privatização de órgãos estatais). 

Em São Paulo, principalmente na capital, as pessoas chegaram em uma ignorância política tão imensurável que passaram a analisá-la com base em maniqueísmo, generalização e ódio. Bem e mal, se não concorda é petista, e todo petista tem que morrer. A lógica perdeu a lógica, e políticos relativamente bons, como o prefeito Fernando Haddad (com reconhecimento internacional) e o ex-senador Eduardo Suplicy, são escorraçados pelos eleitores paulistas, que trocaram este último por José Serra, um sujeito cuja reputação estamos cansados de conhecer... E nas manifestações, vestem camisas da CBF (sabidamente envolvida em milhões de esquemas de corrupção), se unem a pessoas também envolvidas em esquemas sujos (como Fernando Capez) e pedem o fim da corrupção. É tanta incoerência que nem vou citar o movimento que vai às ruas pedir a volta dos militares para que eles não possam mais ir às ruas.

E não para por aí. O Governador Geraldo Alckmin já provou dezenas de vezes ser um homem corrupto, envolvido em incontáveis esquemas de corrupção (metrôs/trens e lista de Furnas, só para citar), com uma administração pífia (USP e UNESP abandonadas, fechamento de escolas, falta de água, metrôs com 20 anos de atraso). E ainda assim, foi reeleito com quase 60% dos votos, no primeiro turno. E o chamam de "picolé de chuchu", relacionando-o a algo insípido, que não fede nem cheira. Percebam: até quando vão criticar, pegam leve com ele.

O grande problema em bater panelas está no fato de ignorarmos fatores históricos-políticos-sociais do nosso país, corroborando com o interesse de uma minoria que, na verdade, não está nem aí para a corrupção do sistema, apenas reage em um movimento de puro revanchismo político. 

Bater panelas não resolve o problema do país. Assim como tirar o PT do governo não reestruturará o sistema. Isso porque o sistema, desde a monarquia, nunca foi estruturado. Isso é só trocar seis por meia dúzia, saciando a vontade de outros por trás disso e silenciar a população, que terá a falsa sensação de vitória.

O que muda então? Nós. 
Meio clichê, eu entendo. Até um gringo falou isso recentemente.
Mas quem sabe se não pagarmos a propina do policial para não nos multar, não bebermos quando formos dirigir, devolvermos a carteira que achamos na rua, devolvermos o troco dado a mais... Quem sabe se não furtarmos mais a revista do vizinho, nós não teremos maiores condições de cobrarmos mudanças reais e efetivas do sistema político de nosso país? Afinal de contas, lá "em cima" nada mais é que um reflexo "daqui de baixo".

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