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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Não parecia justo



     Caminhava com seus pés arrastados. Estava tão cansado que não suportava o peso de seu próprio corpo. Cada passada era custosa, até pensar lhe doía. Era ainda quarta-feira, teria até sábado para trabalhar. Estava cansado de se sentir cansado, mas alternativa não tinha. E ainda era criticado por aquilo.
    Duas horas de ônibus e uma de trem todos os dias. Isso quando não chovia. Dois filhos para alimentar e um salário que tinha mais descontos que créditos. Ainda tem de suportar a fúria de seu chefe quando chegava atrasado.
    Atrasado.
    Já estava acostumado com aquela palavra. Sempre ouviu de seu falecido pai de que sua pele o forçava a se esforçar o dobro para se igualar ao branco. Mas a pergunta que não lhe era respondida e que nunca abandonara sua mente: por quê o esforço deveria ser o dobro, se o atraso era cem vezes maior?
    Perdeu as contas de quantas vezes havia perdido a concorrência em vagas de empregos. Até por profissionais menos qualificados. A escravidão acontecera há 130 anos, mas sempre lhe pareceu ter acontecido há 130 dias.
     Não parecia justo. 
    Naquela quarta-feira pensou em quebrar a rotina. Uma pizza de padaria para seus filhos ficarem felizes. Felicidade grande em pequenas coisas. Mas não tinha vinte reais na carteira.
    Atravessou a rua. Olhou os carros. Homens de gravata ostentando relógios que custavam cinco anos de trabalho dele. Não parecia justo. Os projetos daqueles homens de gravata não seriam nada além de papéis rabiscados se não fosse a força bruta daquele homem.
    Olhou um carro grande com uma madame se maquiando distraidamente, com a janela aberta. “Que vacilo! Dando sorte para o azar”. Ao perceber o negro, fechou o vidro, categoricamente. “Pô, nem pra disfarçar?!”.
    Seguiu andando, cansado, querendo logo chegar em casa. Desceu a rua, atravessou a viela, estava na favela.
   Ouviu o som estridente da sirene e do canto dos pneus. Quatro cães fardados sentiram seu asqueroso cheiro de preto. Estava sendo espancado sem nem saber o porquê.
    Não parecia justo. 
   Estava sendo preso em flagrante por roubar um carro grande de uma madame que se maquiava distraidamente. Não parecia justo. Justo naquela noite em que queria quebrar a rotina. 
    E quebrou.

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